sábado, 27 de fevereiro de 2010

Madeira - População denuncia aterro ilegal na zona das Babosas

O presidente da junta sabia do aterro, a Câmara do Funchal não. A população sabe que nem tudo foi culpa do aterro, mas potenciou a destruição

Com a devida vénia ao Diário de Notícias da Madeira

São dados novos sobre o destruição da Capela das Babosas no Monte. Segundo dados recolhidos junto da população deste sítio, poucos metros atrás desta Capela, existia um aterro ilegal que vinha sendo promovido por um morador há cerca de um ano.


O vereador do ambiente da Câmara Municipal do Funchal desconhece a existência desse aterro, mas o presidente da Junta de Freguesia do Monte, Duarte Pereira, depois de hesitar, confirmou a existência de um aterro que, no entanto, não soube dizer se era legal.

Para a população, o aterro não será a única na razão de toda esta destruição, mas é visto como a principal causa da dimensão extrema dos estragos causados. Todos, principalmente os atingidos, querem ver responsabilidades apuradas.

Para além do desaparecimento da Capela, o temporal destruiu duas casas que existiam poucos metros abaixo do Largo das Babosas, uma delas com três pisos, mas provocou ainda um rasto de destruição ao longo da estrada Luso-Brasileira, fazendo uma mãe e uma filha perderem a vida dentro do carro que as transportava. O entulho trazido pelo ribeiro das Babosas encerrou ainda na Pena o acesso à Via Expresso e provocou um rasto de destruição ao longo de toda a rua.

Pelo que foi possível apurar, o local onde foi criado o aterro já tinha sido uma lixeira promovida por um homem que também é carreiro, mas cuja identidade o DIÁRIO não conseguiu confirmar. A terra despejada cerca de 50 metros por detrás da Capela das Babosas era para ali transportada na sequência de alguns trabalhos de construção civil desenvolvido por este homem. Para transportar o material para este local, o responsável chegou inclusivamente a construir uma estrada, junto às escadas que davam acesso à Capela e que estreitou significativamente a largura do ribeiro.

Uma das pessoas mais críticas é Lícia Agrela, uma professora que tinha visto a casa que estava a construir ficar concluída dois dias antes. "Eu não sei o que fazer. A minha casa tinha ficado pronta há dois dias e agora não tenho nada. Felizmente nesse dia saí cedo de casa com a minha filha, senão penso que também teria morrido", afirma, visivelmente agastada. Lícia Agrela confirma a existência do aterro. "Nós sabíamos que aquele aterro existia e que aquilo causava perigo, mas ninguém fez nada contra aquilo".

De acordo com um dos carreiros com quem falamos, a proprietária da casa de três pisos que foi totalmente destruída costumava alertar o marido para as consequências da existência daquele aterro. Foram muitos os populares com quem o DIÁRIO falou sobre a existência do aterro, mas a maioria preferiu não se identificar.

Na zona das Lajinhas, por cima do Largo da Fonte, junto a um bloco de apartamentos que ali foi construído, é possível ver-se o que resta daquele aterro. A população desta localidade, que novamente prefere não se identificar, afirma sem rodeios que o aterro foi uma das causas da terrível dimensão do temporal nesta zona do Funchal.

Câmara desconhece aterro

Este matutino contactou o vereador do ambiente da Câmara do Funchal, que assumiu de imediato não ter conhecimento deste aterro. "Que eu saiba não existe nenhum aterro nesse local. Se existe, não foi autorizado pela Câmara nem temos conhecimento disso".

Costa Neves chegou mesmo a sugerir que a notícia não fosse publicada de forma a não provocar revolta junto da população. "Para ser sincero eu desconheço isso totalmente, mas penso que não há veracidade nessa situação", afirmou, apesar de o DIÁRIO ter repetido que a população confirmava este facto.

Já o presidente da Junta de Freguesia, inquirido sobre esta matéria, mostrou alguma reticência a comentar o assunto. Afirmou que tinha conhecimento da existência de um aterro, mas preferia não comentar se este era ilegal ou não. A resposta de Costa Neves fez o resto.

Recolha de alimentos

É uma das freguesias mais afectadas do Funchal, contudo, apesar das tentativas para se apurar o número de pessoas atingidas, desalojados e pessoas a precisar de ajuda, a equipa da segurança social destacada na Junta de Freguesia do Monte não quis avançar com um número. Desde ontem, na Igreja do Monte, num esforço conjunto com a Junta de Freguesia e muitos voluntários, tem sido promovida a recolha de alimentos para a população mais carenciada. A coordenar esta iniciativa está Duarte Pereira. "Estou a orientar essa situação, mas estou como cidadão e não como presidente da Junta. Apelo a toda a população que tenha possibilidade, que entregue no Salão Paroquial da Igreja alimentos de primeira necessidade e produtos de higiene pessoal. Os alimentos serão distribuídos conforme as necessidades da população.

Praticamente todos os sítios da freguesia do Monte foram afectados pelo temporal do sábado passado. Desde as Babosas à Levada da Corujeira são às dezenas as famílias, casas e carros atingidos. Por isso, um pouco por toda a freguesia centenas de pessoas pedem apoio. Rafael Freitas Branco, que ficou sem nenhum bem no interior da sua casa afirma, de forma desalentada, afirma que não sabe o que fazer. Com três filhas e a mulher também muito afectada, este residente da Corujeira de Dentro pede a intervenção e o apoio das entidades responsáveis. Já Ricardo Jorge Câmara, no Beco das Eiras, também na Corujeira, perdeu praticamente todas as suas posses neste temporal, pede a entrega de alimentos e de alguma roupa para cinco pessoas.

Escuteiros do Monte no terreno

Quem não virou a cara à luta foram os Escuteiros do Monte. Ontem de manhã, o DIÁRIO foi encontrá-los no Largo das Babosas, a abrir um pequeno caminho para que a população ali possa circular. A presidente, Marlene Rodrigues, fala em cerca de 25 escuteiros destacados um pouco por toda a freguesia a ajudar. "Infelizmente não conseguimos colocar todos os escuteiros no terreno porque alguns sofreram prejuízos nas suas casas ou a ajudar alguns vizinhos". Os escuteiros também vão participar na recolha de alimentos que decorrerá no Salão Paroquial da Igreja do Monte.

Uma capela com memória para Berardo

Construída em 1906, a Capela das Babosas tinha grande valor afectivo para a família do empresário madeirense Joe Berardo. "A minha mãe costumava contar que foi nessa capela que conheceu o meu pai. Ela dizia que ele lhe tinha lançado um olhar maroto". Um olhar que veio a dar em casamento alguns anos depois. Foi também ali que foi feita a despedida dos pais do empresário e de muitos outros membros da família. O nosso matutino encontrou o comendador, chegado ontem de manhã à Região, a visitar os estragos do temporal no Largo das Babosas. Berardo mostra estranheza pelo desaparecimento da Capela. "É uma capela muito sentimental para nós. Não percebo como aquilo desaparece tudo. Aquela Capela não tinha uma construção fraquinha, aquilo era muito forte", afirma.

A Quinta do Monte, pertença deste empresário madeirense, também foi alvo de prejuízos. "Caiu um muro de 25 metros do Colégio do Monte para cima da minha propriedade. Sei que temos um prejuízo avultado de um mural que contava a história do Japão e de uns soldados de terracota que nós tínhamos naquele local, foram todos partidos", afirma. Perante a catástrofe que atingiu a Madeira e uma vez que também é empresário hoteleiro, Joe Berardo faz questão de pedir ao Governo Regional e à Câmara Municipal do Funchal que se foquem na recuperação da baixa da capital madeirense.

"A baixa do Funchal é muito importante para o nosso turismo. Já há cerca de 3, 4 meses os empresários já estavam a fechar os restaurantes porque tudo vai para os Shoppings Centers. O grande cartaz nosso é o Funchal, a cidade tem de estar limpa", afirma. O empresário espera que o apoio financeiro à revitalização do comércio do Funchal seja feito a fundo perdido de forma a permitir uma melhor recuperação de todo o comércio que, é sua opinião, estava a ficar abandonado. "O centro da nossa cidade não pode morrer. Se aquilo morre é um desastre para o nosso turismo. Temos de manter viva a baixa, mantendo os restaurantes abertos. Eu acho que isto só veio alertar um problema que iria ficar pior daqui a um ano ou dois, com o desaparecimento do comércio da cidade. Já que a desgraça veio, que aproveitemos para relançar o comércio do Funchal".

Marco Freitas

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