terça-feira, 25 de outubro de 2011

OE - Medidas Alternativas, artigo de Miguel Félix António hoje no PÚBLICO

Do que já se conhece do Orçamento de Estado para o próximo ano, não há dúvidas de que a vida vai ser bastante mais difícil para todos, a cada um na sua medida.

Não discuto que a situação a que o país chegou – muito por responsabilidade dos políticos de todos os partidos que estiveram no Governo, ainda que com distintos graus de culpa – exige uma mudança drástica naquilo que tem sido o nosso modo de vida e nos padrões de consumo a que nos habituámos a usufruir.

Sei bem que necessitamos de dinheiro para diminuir o défice e que a forma mais rápida, simples e prática é aumentar impostos, qualquer que seja o formato com que esse aumento se apresente.

Contudo, vale a pena reflectir sobre algumas medidas alternativas que poderiam e deveriam ser adoptadas, por serem mais equitativas, sustentarem duradouramente essa redução do défice, e de, a prazo, serem susceptíveis de poder permitir uma diminuição acentuada do IRS e do IRC e, assim, libertar recursos para o crescimento da economia nacional.

Comecemos pelas taxas de IVA. Não seria mais apropriado dispor de uma única taxa para todas as transacções, que necessariamente teria que ser superior à actual taxa mínima e inferior a 23%?

É que, só para dar um exemplo, entre muitos e iníquos semelhantes que se podiam apresentar, não encontro explicação razoável para o facto de um comprador do jornal A Bola pagar bastante menos IVA por essa transacção do que um adquirente de um bilhete de cinema…

Com uma única taxa não haveria, assim, discriminação entre os fornecedores de bens e serviços equivalentes, afastando-se também quaisquer suspeitas de o Estado ser permeável ao lobby de produtores e comerciantes na fixação das taxas de IVA.

Por outro lado, aumentava-se seguramente a receita, simplificava-se o processo, e era mais justo porque os mais abonados não seriam beneficiados com taxas mínimas, quando podem pagar taxas maiores. Já vejo a objecção! E então os mais carenciados pagariam pelo pão e pelo leite o mesmo que os “ricos”? Sim, pagariam, havendo apenas que lhes atribuir, aos efectivamente necessitados, uma determinada compensação anual ou permitir a dedução desse valor em sede de IRS.

E que tal também se todas as despesas, exceptuando bens de luxo, pudessem ser parcialmente dedutíveis em sede de IRS? Seria uma forma de todos se sentirem obrigados a pedir recibo de todas as aquisições que fizessem, com o consequente impacto na receita fiscal.

Por falar em IRS, sabemos que muita gente foge ao seu pagamento, arranjando múltiplos artifícios, alguns legais, outros nem por isso. Muitas das pessoas que assim procedem dispõe de elevadíssimos rendimentos, de tal forma que adquirem imóveis, aviões, barcos ou automóveis, por preço muito superior ao valor a partir do qual um agregado familiar entra no famigerado último escalão do IRS.

Uma forma de combater a evasão fiscal desta gente seria fazê-los pagar no acto da compra destes bens um montante de imposto a determinar em função do valor do bem adquirido.

A lógica para uma acção deste teor é simples: se têm dinheiro para comprar esses bens e não declararam rendimentos apropriados a essa capacidade financeira, é porque fugiram ao fisco. E então têm que ser necessariamente tributados.

Noutro plano, afigura-se-me que a propalada reforma do Estado é muito tímida, mas pouco ousada, pelo que a extracção dos subsídios de férias e de Natal aos servidores do Estado e aos pensionistas (esperando-se já agora que não haja quaisquer excepções e devendo colocar-se a questão do que acontecerá nas organizações/associações cujo orçamento é composto maioritariamente por fundos/subsídios concedidos pelo Estado) se pode ajudar a resolver o problema nos próximos 2 anos, não aparenta resolver de forma consistente e duradoura a questão.

Um país como o nosso, com a nossa dimensão e com a proximidade que a evolução das redes viárias proporciona, necessita de 308 municípios? E de, mesmo concretizada a seu reestruturação, de mais de 3 mil freguesias? E de Juntas e Assembleias de Freguesia? E de Assembleias Municipais com milhares de eleitos? E de empresas municipais, que mais não configuram que um processo de desorçamentação das autarquias?

Precisa Portugal de tantas, e muitas vezes com atribuições sobrepostas, Direcções Gerais, Direcções de Serviço e de Departamento, Divisões, Repartições e Secções, como as que existem na Administração Central, Regional e Local?

E porque não, ainda que possa ser uma medida essencialmente simbólica, mas importante para mostrar que a redução dos gastos do Estado começa no topo, reduzir os deputados para o mínimo previsto na Constituição? A desculpa da necessidade da revisão constitucional cairia pela base.
E a questão da manutenção da representatividade das forças políticas poderia ser assegurada com um círculo único nacional, como aliás curiosamente Jardim fez na Madeira.

Penso que não seria difícil o consenso dos deputados para todas estas medidas.

Ainda há pouco tempo se puseram todos de acordo e aprovaram por unanimidade o Orçamento da Assembleia da República para 2012…


Miguel Félix António



Jurista/Gestor