Sem nenhuma pompa, e com ainda menor circunstância, chegou ontem à Base Naval do Alfeite o primeiro dos dois submarinos adquiridos para modernizar a armada nacional. Em circunstâncias normais dir-se-ia ser um momento marcante e a assinalar. Portugal tem um «território marítimo» em progressão que é já o maior dos Estados europeus e os submarinos – a arma dos pobres – são quem garante melhor eficiência e relação custo/benefício. Seria, assim, um marco para as forças armadas portuguesas. Acontece, porém, que Portugal não vive circunstâncias normais: contas públicas profundamente desequilibradas, um défice orçamental de 9,3% considerado excessivo pelas regras europeias, endividando-se no exterior à razão de 2 M€/hora (!), crescendo economicamente a um ritmo quase nulo que coloca o país em permanente e contínua divergência com os seus parceiros europeus, com uma taxa de desemprego na casa dos 10% que atinge quase 600.000 portugueses, uma taxa de esforço fiscal sem igual ou paralelo na nossa história, tudo completado por um clima de permanente crise política.
Neste ambiente crítico, de crise e conturbado, o mínimo que se exigiria era que a manutenção da aquisição das duas embarcações tivesse sido amplamente discutida e objecto de profunda meditação. Não está em causa a sua utilidade ou a sua importância absoluta. Está em causa saber se o País comporta mais este encargo que se anuncia como responsável por mais um rombo nas contas públicas nacionais agravando o défice de 2010, 2011 e 2012 para lá do esperado e obrigando a novas e mais drásticas reduções na despesa pública ou, o mais provável, levando a novo aumento de impostos que evite a subida do défice, quando se sabe que, não havendo dinheiro para pagar tal aquisição ao consórcio alemão vendedor, a mesma terá de ser feita a crédito, com dinheiro pedido emprestado no exterior, quem sabe se a bancos alemães; e está em causa a importância relativa da referida aquisição, isto é, saber se não existiriam outras e mais prementes urgências a que fazer face pelo poder político. Governar é escolher e optar permanentemente sobre a afectação de recursos sempre escassos a necessidades sempre superiores.
Uma visão humanista e personalista da política coloca no topo das prioridades da governação as condições de vida, de dignidade e de realização das pessoas e dos cidadãos. Não renega a importância das políticas públicas, nomeadamente da defesa e da segurança nacionais. Mas não as erige em prioridade primeira da actuação do poder público. Essa foi a marca distintiva do império soviético – que privilegiou a defesa e o armamento militar, a segurança e o securitarismo, às concretas condições de vida dos cidadãos, criando uma sociedade segura de cidadãos pobres, famintos e carenciados. Não é essa a marca identificadora dos regimes políticos ocidentais.
Por isso, sem se entrar na discussão politiqueira em torno dos contratos de aquisição dos submarinos – sobre a qual a generalidade dos opinantes se pronuncia sem conhecer o seu concreto e específico conteúdo – que deve ser deixada para as instâncias adequadas, nomeadamente as judiciais naquilo que estão a investigar, não pode deixar de se referenciar e lamentar a falta de debate político sério sobre a oportunidade da manutenção de um negócio cuja dimensão e contornos teriam merecido aquele debate.
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