sábado, 21 de agosto de 2010

Mandato único - artigo de Miguel Félix António hoje no Público

Mandato Único
O exercício do poder em democracia está fortemente condicionado por dois factores: aquilo que comummente se designa como a agenda/pressão mediática e, fundamentalmente, os ciclos eleitorais, ou seja, as eleições que se seguem...

Ambos consubstanciam limitações muito estreitas e apertadas ao trabalho que tem e deve ser feito pelos governos e, de uma forma geral, pelos detentores de cargos políticos.

Claro que não julgo que a solução, para contornar e minimizar o impacto negativo que tais circunstâncias possam ter nas opções políticas, seja suspender a democracia até que os problemas estejam resolvidos, porque apesar de tudo, entendo que ainda não se encontrou melhor alternativa aos modelos assentes no autoritarismo e na ditadura.

É certo que sem comunicação social livre e sem eleições a vida dos políticos está muito facilitada, mas o custo é verdadeiramente insuportável para os cidadãos.

É, pois, necessário compaginar a democracia e o exercício das liberdades com a actuação apropriada, qualquer que seja a sua orientação política, que os governos consideram essencial dever ter, sem os constrangimentos que derivam, nomeadamente, da realização de eleições.

O acesso ao poder político tem que ter um objectivo mais profundo, que não se fique apenas por ganhar eleições e estar no poder, dado que a sua manutenção de nada vale em substância se não for para pôr em prática as políticas que em cada momento se entendam como as mais adequadas, independentemente das consequências eleitorais.

Como não será humanamente possível pedir aos políticos que actuem como acham que devem, mesmo que o resultado seja a derrota nas eleições subsequentes, haveria que ensaiar novas soluções susceptíveis de contribuir para a resolução deste problema.

O desempenho de cargos políticos deveria ser tendencialmente um exercício de cidadania e não uma carreira como a militar ou a diplomática.

Porque se não fará sentido um Almirante ou General ir desempenhar funções de Tenente, ou um Embaixador funções de Secretário de Embaixada, já não vejo porque razão, um antigo Presidente da República não possa, por exemplo, ser Presidente de uma Câmara Municipal.

A credibilização e dignificação dos cargos políticos passaria também pela inexistência de uma carreira política e antes pelo propósito de missão pública.
Para isso seria de toda a utilidade ponderar a introdução do mandato único, eventualmente mais alargado no tempo.

Um mandato único de 7 anos para Presidente da República, membros do Governo, deputados e autarcas teria como efeito uma maior autonomia e capacidade de decisão no exercício das respectivas funções, induzindo melhorias na selecção das políticas públicas, para além, naturalmente, do permanente rejuvenescimento que provocaria nos detentores de cargos políticos.

Não pretendendo passar por “naif”, sei bem que esta ideia tem tanto de utópica (conheço bem a teoria e a prática da ciência política…), como de desejável, porque a democracia precisa de se reinventar e inovar, para continuar a ser o sistema de governo preferível e não apenas o ser por exclusão de partes, ou por ser o mal menor.

Esse é o desafio que todos temos que nos colocar a nós próprios enquanto cidadãos, para que a regeneração da política e dos partidos tantas vezes inserta nos discursos oficiais seja mais do que mera retórica.

Miguel Félix António
Jurista/Gestor

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