Durante muitas semanas o país andou suspenso do anúncio do Programa de Estabilidade e Crescimento que o Governo tem de apresentar à Comissão Europeia para corrigir as derrapagens e derivas promovidas pelo próprio Governo ao longo do último ano – que, fruto das políticas públicas seguidas por causa e com o pretexto da crise económica internacional, conduziram o país a uma violação grosseira das regras da convergência a que estão vinculados os países que têm o euro como moeda comum, nomeadamente a dívida pública (onde os quase 85% nacionais se distanciam dos 60% permitidos na zona euro) e o défice orçamental (admitido num valor até 3% quando, entre nós, tal valor se cifrou em 9,3%).
Finalmente, ao fim de muitas semanas de adiamento, o Governo anunciou as principais medidas estruturantes do dito Programa de Estabilidade e Crescimento. Pretendendo salvar muito do mal feito, do pouco que se conhece do documento, as medidas anunciadas em quase nada se distinguem daquilo que os especialistas vinham antecipando: os salários da administração pública irão diminuir em termos reais; regressará a regra de uma admissão na função pública por cada dois funcionários que se reformem; os impostos irão subir não por efeito do aumento das taxas mas por via da drástica redução dos benefícios fiscais; as SCUTS irão ser portajadas; as mega-obras públicas irão ser adiadas por 2 anos (eufemismo para anunciar a sua suspensão) com excepção da linha do TGV Lisboa-Madrid que, pelo facto de já estar parcialmente adjudicada, se fosse suspensa iria custar mais dinheiro em indemnizações do que custará a continuidade da sua construção; as mais-valias bolsistas irão ser tributadas em 20%; em sede de IRS cria-se um novo escalão de 45% para quem ganhar mais de 150.000€/ano. Concatenando as medidas apresentadas e os seus destinatários, percebe-se com mediana clareza que, uma vez mais, irá ser a classe média a ter de apertar drasticamente o cinto, cabendo-lhe, mais uma vez, pagar a crise.
Poucas dúvidas haverá que estaremos perante um dos mais drásticos e dramáticos agravamentos das condições de vida que, em democracia, os portugueses irão sofrer. Agravamento talvez com paralelo apenas naquele que nos anos 80 foi imposto ao país pelo FMI. Significa isto que, cumprindo o trajecto dos últimos anos, seguramente continuaremos a empobrecer e a divergir da UE. Cada vez mais pobres e cada vez mais distantes do nível médio de vida da UE. E convirá aqui recordar que, quaisquer que sejam os critérios a que recorramos, no plano da UE já hoje fomos ultrapassados por muitos dos Estados que, há apenas e tão-só 20 anos, constituíam a parte pobre da Europa, a Europa saída do comunismo, cuja pobreza era tal e tanta que muitos sustentavam que nem sequer reuniam condições para, sequer, encararem a possibilidade de aderir à União. Pois bem, muitos desses Estados fizeram o seu caminho, aplicaram políticas públicas correctas e hoje já nos ultrapassaram. Somos, cada vez mais, dos mais pobres da União.
Mas o problema que motiva esta reflexão reside noutro aspecto que, infelizmente, não tenho visto discutido na comunicação social nem ser objecto de questão apropriada a quem de direito – e que é o seguinte:
Com todas as medidas anunciadas, com todo o apertar de cinto referido, que resultados se propõe o Governo alcançar? O Primeiro-Ministro respondeu, quando anunciou ao país as linhas gerais deste PEC: pretende reduzir o défice orçamental, num ano, em um ponto percentual. Ou seja, pretende que no final de 2010 o país tenha um défice de 8,3%. Ora, se todas estas medidas draconianas apenas terão como consequência baixar o défice orçamental em um ponto percentual, que outras medidas terão de ser tomadas, até 2013, para baixar esse mesmo défice em mais 5,3%? Esperará o Governo alcançar tal desiderato apenas como consequência do crescimento económico do país e da correspectiva subida da receita fiscal daí adveniente? Os peritos que têm estudado a sério a economia portuguesa dizem-nos que para isso ser verdade o País teria de crescer, nos próximos anos, a taxas anuais superiores a 4%. Se levarmos em consideração que, nos últimos 4 anos, não conseguimos crescer, no total, sequer 3%, vê-se o quão ilusório e mirífico ainda é o cenário que nos é apresentado. Isto, pese embora o seu dramatismo e as suas cores sombrias.
Estamos, pois, perante um PEC que nos promete fazer sair da crise mas certamente se irá revelar insuficiente para tal. E porquê? Fundamentalmente porque o Governo optou por, uma vez mais, adiar as verdadeiras medidas que aliviem a despesa do Estado, centrando as suas atenções no aumento da receita, isto é, na forma como há-de penalizar, tributar e, em alguns casos, esbulhar os cidadãos.
Estamos, assim, ante um PEC mentiroso. Um PEC digno dum Governo cujo Primeiro-Ministro já se deve estar a preparar para enfrentar uma Comissão de Inquérito na Assembleia da República que irá averiguar se esse mesmo Primeiro-Ministro mentiu, ou não, ao Parlamento. Em suma, estão bem um para o outro – este PEC para este Primeiro-Ministro.
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