quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A propósito da República da Irlanda

Confirmando o que já se sabia e havia sido tantas vezes negado, a República da Irlanda viu-se na necessidade de recorrer ao auxílio financeiro de emergência externo, a cargo do fundo de emergência europeu, do FMI e de Estados de fora da própria zona euro, como o Reino Unido e a Suécia, num valor ainda a determinar mas que já se sabe que andará pelos 80 a 90 MM€. Sabe-se, também, que dentro dos critérios acordados, e tomando como referência a participação de cada Estado no capital do BCE, Portugal contribuirá para esse fundo com cerca de 2MM€. Os Ministros do ECOFIN, via teleconferência, acabaram por dar «luz verde» ao auxílio, na expectativa, uma vez mais, de assim travarem os ataques contra uma economia da zona euro, demonstrando à especulação financeira internacional que, em momentos de crise, a Europa da União não pode ignorar o sentido da palavra solidariedade. Convirá recordar que, em Maio passado, aquando da crise grega, o argumento utilizado foi exactamente o mesmo. Os resultados, esses, foram o que se estão a ver…. Teoricamente, uma tal injecção de capital, ao longo de três anos, será suficiente para acalmar os mercados internacionais. Ademais, a República da Irlanda não tem as necessidades de financiamento externo que, Portugal, por exemplo, enfrenta e que, só para o próximo ano, se aproximam dos 44MM€. O problema é que esses mesmos mercados financeiros não conhecem nem se guiam pelas regras da racionalidade – mas apenas e só pelas regras do lucro. E nada nos garante que, depois da República da Irlanda, não se virem para as outras economias mais frágeis e débeis da zona euro. É, assim, manifestamente precipitada a convicção do Ministro Teixeira dos Santos, de que com este apoio de emergência, Portugal ficará respaldado ou a salvo, numa posição mais confortável. A visão mais pessimista da realidade diz-nos, até, justamente o contrário! Salva a República da Irlanda, o apetite voraz da especulação pode dirigir-se para a próxima vítima. Será sempre assim até ao momento em que perceberem ou intuírem que a solidariedade europeia falará sempre mais alto e acorrerá sempre em defesa dos seus – quaisquer que eles sejam. E nos dias que correm, infelizmente, essa garantia não poderá ser dada por adquirida. Como de pouco serve o reiterado esclarecimento de que a situação portuguesa é diferente da situação irlandesa, não havendo semelhanças que justifiquem os receios de um qualquer efeito de contágio. Não se percebeu, ainda, é qual a razão-de-ser de tanta insistência na afirmação da nossa diferença face à da República da Irlanda. Se a diferença fosse tão grande como alguns querem fazer crer, talvez se dispensasse tanta reiteração dessa mesma diferença…. Que os problemas da República da Irlanda são diferentes dos nossos, nós já sabemos; que não temos problemas na banca como os irlandeses, também já sabemos. O que não está dito ou escrito em lado algum é que os nossos problemas sejam menores que os da República da Irlanda. Ser diferente não significa ser menos grave. Porque com uma economia muito mais frágil, uma dívida externa (pública e privada) muito superior e um crescimento muito mais débil, não temos a mesma capacidade dos irlandeses para sermos competitivos e gerarmos emprego. Será que isto é assim tão difícil de entender?
Deste recurso irlandês ao auxílio exterior saibamos, ao menos, aprender uma lição que nos vem de Dublin – há países, povos e Estados que, mesmo na adversidade, sabem ser coerentes – para não dizer decentes. Na República da Irlanda, consumada a necessidade de recorrer ao auxílio financeiro externo, de imediato se concluiu que tinham de ser marcadas eleições legislativas para escolher um novo Parlamento donde emergisse um governo que gerisse esse mesmo auxílio exterior. Ou seja, concluiu-se o óbvio: os responsáveis pela crise e pelo estado a que o Estado chegou não tinham nem podiam ter condições para liderar a recuperação e gerir os fundos que chegarão do exterior. É uma questão que parece óbvia; uma questão de bom-senso, uma questão de decência política. Noutras latitudes, quem faz o mal faz a caramunha. Vitimiza-se, queixa-se, acusa o mundo por ter mudado, deixa que a culpa morra solteira. Também aqui é duma questão de decência política que se trata. Ou da falta dela.

domingo, 21 de novembro de 2010

Um ano depois...

Não me foi possível estar hoje na missa pelo Jorge Ferreira. Mas não posso, nem quero, deixar de o lembrar. Aqui.

Discordávamos em muita coisa, mas estávamos de acordo no essencial, ou seja, paradoxalmene, em muita coisa também: a Política é serviço. Não uma profissão. Muito menos um negócio.

E porque a política é serviço, ele pós em causa uma merecidíssima carreira política brilhante para não entrar nos compromissos que rebaixam e aviltam, ou seja, para não entrar no pântano que hoje todos os portugueses, mesmo os mais desatentos, facilmente enxergam.

O Jorge era exigente com toda a gente. Mas tinha esse direito, porque começava sempre por ser muito mais exigente consigo próprio. Tinha amigos, muitos; inimigos, muitíssimos; adversários, uma infinidade... Mas tinha o respeito de todos, amigos, inimigos e adversários. E é esse respeito de todos que nos dá a precisa medida de qual foi o seu peso específico e o seu real valor.

Encarou a vida com coragem sempre igual. E da mesmíssima forma encarou a morte. Uma e outra, a sua vida e a sua morte, foram um exemplo de retidão.

Ver alguém de costas direitas num mar de costas curvadas, lava a alma e refresca o espírito.

É uma honra tê-lo tido como amigo.

PADRE CONGO DETIDO EM CABINDA

O Padre Jorge Casimiro Congo foi ontem (20.11.10), detido por pouco mais de duas horas pela policia nacional sem qualquer principio ou fundamento.

A sua grande culpa foi ter ajudado alguns jovens católicos que vinham ao Cabassango para festejarem o Cristo-Rei, considerado o dia da juventude católica.

Como nao vivemos ao vivo este episodio, mais um triste, da realidade que se vive em Cabinda, em anexo vai um pequeno relato que ele proprio fez da intempérie que passou:


A juventude de Lubundunu tinha decidido, há muito, celebrar a festa de Cristo Rei
em Lândana. Hoje, dia 20, de manhã, fui até à cidade de Cabinda. Em Cabassango, às portas da cidade, deparei-me com um espavento policial, cuja acção era direccionada para todos os veículos que traziam membros da comunidade Lubúndunu. Uns foram obrigados a retroceder e outros obrigados a mudar de itinerário. Ao regressar a Lândana, encontrei-me com alguns membros vítimas desta repressão policial. Disseram-me que foram acusados de serem membros da Mpalabanda e da FLec, por isso, interditos de se movimentarem. Cheguei em Lândana deparei-me com um estupor aparato policial e de anti-motins i. Vieram, depois, os jovens de Lândana e narraram-me terem sido impedidos de realizar o encontro de oração, porque, amanhã, o bispo virá a Lândana e porque estavam a organizar uma manifestação da Mpalabanda. Se quisessem que fossem a Cabassango. Pediram-me que os ajudasse com a minha carrinha. Lá os levei.

Ao regressar, sem ninguém na viatura, a polícia, postada em tudo que era canto, fizeram-me parar e pediram-me a carta de condução e os documentos da viatura. IDei-os. Eram 18.30. Fiquei ai em condição de detenção até 20.45. Depois veio um polícia de trânsito que me disse que retinham o carro, ordens de um comandante, sempre na penumbra, porque era uma viatura de mercadoria e não de passageiros. Isto passado longo tempo. Fiquei ainda retido no Malembo, porque não tinha como chegar a Lândana, que dista 18 kilómetros. Confrontados com a minha reacção lá forçaram uma viatura a vir deixar-me em Lândana. Quando pediam que o dono da viatura me viesse deixar, diante do espanto deste, que não compreendia por que Padre Congo já não tinha carro, o polícia, na sua ingenuidade, disse-lhe que eram problemas políticos. Esta atitude humilhante e musculada contra mim e todos os inimigos de estimação do governo angolano tem sido permanente nestes últimos dias, porque no dia 11 deste mês também fomos postos em situação de detenção durante largas horas, eu e o Dr. Nombo, na fronteira de Massabi e só, depois, quando bem quiseram, nos deixaram seguir viagem à Ponta-Negra, República do Congo Brazzaville.

A nossa vida é uma permanente humilhação e só Deus sabe quando vai acabar. Não sei quem fica mal na fotografia: esta Igreja católica que tem sempre o apoio da mão do poder (tudo que é polícia e militar, em todos os seus programas ou o próprio poder, que se diz laico, que se tornou o protector de uma Igreja! Só o futuro nos dirá. Até lá, continuaremos com a vida sempre por um fio.

Padre Congo.

1 ano

O Jorge partiu há um ano

Hoje é um Anjo de Luz que vela o Caminho

Até já Amiguinho

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...

- Miguel Torga, Confiança

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

JORGE FERREIRA - Missa no próximo domingo

No próximo domingo, dia 21 de Novembro, pelas 11h30 será rezada missa na Igreja da Graça, pelo nosso amigo Jorge Ferreira.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A falácia orçamental - artigo de Miguel Félix António hoje no Público

O enredo que foi montado à volta da imprescindibilidade de ser aprovado o Orçamento de Estado para 2011, desviou-nos do essencial, daquilo que se devia estar a discutir, a reflectir e a propor.

É assim quando se dá mais relevância aos assuntos urgentes do que aos que são realmente importantes. Urgência não significa importância e, muitas vezes, infelizmente, confundem-se os planos.

O Orçamento não é o ponto de partida, um orçamento é uma consequência das opções que se têm para a configuração de uma sociedade.

A discussão que os partidos políticos deviam suscitar é a de que Estado defendem, que modelo de organização propugnam, que formato, em consequência, o Estado deve ter e, para esse arquétipo, quais as despesas que há que suportar, definindo as respectivas receitas.

E aí, só depois de tudo isto definido, chegamos ao Orçamento.

Começar pelo fim, não é um bom princípio, como se está a ver.

Que Estado quer Portugal para os próximos anos, independentemente dos limites ao défice orçamental imposto pelas regras da União Europeia?

Queremos ter Forças Armadas, ou entendemos que elas são dispensáveis, porque já muito pouca soberania nos resta e os custos com um sistema mínimo de defesa são luxo de países ricos? A discussão dos submarinos é, pois, uma consequência…

Que sistema de Segurança Interna queremos ter? E de Justiça? Consideramos que a Segurança e a Justiça são pilares de uma comunidade politicamente organizada e que, portanto, há que lhes alocar uma parcela significativa de recursos, ou julgamos que é preferível diminuir os encargos, porque esses são problemas resolvidos e Portugal é um país de brandos costumes?

No que respeita à política externa, qual a rede de embaixadas e consulados que devemos dispor? Em todos os países, ou apenas com os quais há um real interesse em promover relacionamento, reduzindo drasticamente os actuais serviços externos?

Relativamente às infra-estruturas portuárias e rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias, qual o desenho que estimamos adequado para o nosso país? É imprescindível, por exemplo, ligar todas as capitais de distrito por auto-estrada, ou será mais apropriado melhorar as estradas já existentes?
Que sistema de saúde? Um Serviço público tendencialmente gratuito ou, pelo contrário, um sistema assente em seguros individuais, a cargos dos próprios, e suportados pelo Estado apenas em caso de manifesta insuficiência económica dos cidadãos?

No que concerne à educação, adoptar também o princípio do utilizador pagador, com a excepção dos manifestamente carentes, ou providenciar gratuitamente de forma indiscriminada e sem ter em conta os rendimentos dos agregados familiares a frequência do ensino básico, secundário e superior?

Regionalizar o país, ou assentar a descentralização na tradição municipalista, reorganizando o sistema autárquico e adequando-o às reais necessidades, diminuindo fortemente o número de municípios e de freguesias, e os correspondentes autarcas?

E que funções queremos que as autarquias detenham? As actuais; novas e mais abrangentes; ou, por outro lado, mais confinadas ao que é verdadeiramente o essencial, dispensando, por exemplo, as Assembleia de Freguesia, que na maior parte dos casos, se comportam como mini Parlamentos Nacionais, demonstrando assim a sua total inutilidade?

Que Portugal queremos? Um país marcado pela mentalidade assistencialista, em que o Estado tudo pode e tudo resolve, sem que para tal tenha recursos? Ou, pelo contrário, uma Nação em que os cidadãos são os primeiros responsáveis pelo seu destino, premiados e estimulados pelo mérito, em função do seu esforço, trabalho e empenho e em que o Estado deve exercer exclusivamente uma função supletiva?

Daí a extrema importância na apresentação de propostas claras e inconfundíveis por parte dos partidos, para que os eleitores não entendam, nalgumas vezes com muita razão, de que tanto faz estar uns como outros…


Miguel Félix António
Jurista/Gestor

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

IRRESPONSABILIDADE SOCIALISTA CONTRIBUI AINDA MAIS PARA AFUNDAR O PAÍS

Num país à beira da miséria e com uma baixissima produtividade, socialistas ainda arranjam motivos para se trabalhar menos:

Tolerância de ponto dia 19

O Governo decretou tolerância de ponto para o dia 19 de Novembro no concelho de Lisboa por causa da Cimeira de Nato. A decisão foi tomada esta quinta-feira em Conselho de Ministros.

 A proposta foi feita pelo ministro da Administração Interna, Rui Pereira, e "fundamenta-se em razões de segurança e, em especial, nas limitações à circulação durante o período da Cimeira", segundo se pode ler numa nota enviada às redacções.


A cimeira realiza-se nos dias 19 e 20 de Novembro

Vassalos da China

Tive vergonha do nosso País quando assisti pela televisão, no passado fim de semana, à sessão de vassalagem que políticos, banqueiros e outros empresários prestaram à delegação chinesa que estava de visita a Portugal.
Em fila indiana, obedientemente, cada um esperou pela sua vez de assinar a respectiva carta de benesses.
Hoje, Carlos Monjardino, em entrevista ao Público, esclarece que a ajuda chinesa têm um custo: a neutralidade política de Portugal, na cena e nos foruns internacionais, relativamente à China ...
Para percebermos a diferença, ontem, David Cameron, de visita à China e reunido com estudantes chineses, disse que a Inglaterra não abdicará de criticar a China em matéria de direitos humanos e liberdades políticas, porque essa é a conviccção intima do povo inglês e de ele próprio.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Parlamento SGPS - artigo de opinião de Paulo Morais

Com a devida vénia ao JN

Na recente cimeira da Transparência Internacional, na Albânia, a representante da Mongólia confidenciava-me que no seu país a maioria dos parlamentares tinha ligações ao mundo dos negócios. E atribuía a este facto a existência de elevados níveis de corrupção. E por cá? Estaremos melhor que os mongóis?

Parece que não. As ligações empresariais dos deputados fazem-se sentir em múltiplos sectores, e principalmente naqueles em que a promiscuidade com o Estado é mais rentável, das obras públicas ao ambiente, das finanças à saúde.

Os deputados detentores de grandes escritórios de advogados são a face mais visível desta realidade. De cada vez que um deputado/advogado debate ou elabora legislação, vacila entre lealdade ao povo que o elege e a fidelidade às empresas que lhe pagam.

Mas esta duplicidade de papéis sente-se em cada sala do Parlamento. Quando reúne a comissão parlamentar de obras públicas, com seis dos seus membros directamente ligados ao meio, mais parece estar reunida uma associação empresarial do sector. Afinal, que interesses ali se defendem? Os deputados/empresários representam o povo junto do sector, ou o sector junto do Estado?

E na saúde? Também se deverá sentir desconfortável o presidente da comissão, Couto dos Santos, administrador da construtora MonteAdriano, quando se discutam obras em hospitais ou centros de saúde.

E por aí fora. O despudor é de tal ordem que até a comissão de combate à corrupção foi presidida por Vera Jardim que, na sua qualidade de presidente do Banco Bilbao Viscaya e duma leasing imobiliária, representa os sectores mais permeáveis à corrupção, a finança e a construção civil; já para não falar do seu vice-presidente, Lobo de Ávila, que pertence aos órgãos sociais das empresas de Miguel Pais do Amaral, com inúmeras ligações ao Estado.

Os exemplos são inúmeros, a promiscuidade entre política e negócios é regra. A Assembleia aviltou-se e já nem parece um parlamento democrático. É mais um escritório de representações.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A MISÉRIA AONDE NOS CONDUZIRAM OS MISERÁVEIS QUE TÊM GOVERNADO O PAÍS NOS ÚLTIMOS 20/30 ANOS

Escolas lutam contra a fome

Há cada vez mais crianças com carências alimentares. Algumas cantinas escolares vão abrir ao fim de semana e nas férias. Professores asseguram alimentos, livros e roupa.





Com a devida vénia ao Expresso  
Joana Pereira Bastos
 
Sete escolas do 1.º ciclo das zonas mais pobres do concelho de Sintra vão passar, já a partir deste mês, a abrir as cantinas ao fim de semana e nas férias para que os alunos possam continuar a ter pelo menos uma refeição quente por dia quando não há aulas.

No final do passado ano letivo, cinco já tinham aberto os refeitórios ao sábado e ao domingo, depois de os professores perceberem, no início de cada semana, que muitas crianças pouco tinham comido desde a sexta-feira anterior. E nas cantinas apareciam famílias inteiras.

"Mais de cem alunos vinham almoçar ao fim de semana. Muitos traziam pela mão os irmãos mais pequenos que ainda nem sequer estavam em idade escolar. E os mais velhos, que já tinham deixado de estudar, também apareciam. Não negávamos almoço a ninguém", recorda Ivone Calado, diretora do Agrupamento de Escolas da Serra das Minas, em Rio de Mouro.

Agora a pobreza agravou-se ainda mais. O número de cantinas abertas todos os dias vai aumentar. E já não chega dar refeições em tempo de aulas. "Não podemos arranjar uma solução para que as crianças almocem ao fim de semana, esquecendo que durante os 15 dias das férias do Natal, por exemplo, muitas ficam quase sem comer. Teremos de abrir aí também", diz o vice-presidente da Câmara, Marco Almeida.

Escolas viram instituições de solidariedade social

Sintra, onde se vive uma das situações mais problemáticas do país (Leia aqui as declarações de Fernando Seara , ou no texto relacionado mais abaixo), está no entanto longe de ser caso único. Um pouco por todo o país, cada vez mais crianças chegam à escola com fome e é de estômago vazio que tentam aprender. Pouco ou nada comeram de manhã. Pouco ou nada jantaram na noite anterior. Sentam-se irrequietas, estão desconcentradas e algumas queixam-se de dores de barriga. Há alterações de comportamento associadas à fome que os professores já aprenderam a detetar e que garantem serem mais notórias este ano letivo. Com a crise, os estabelecimentos de ensino desdobram-se em soluções para o problema. As escolas são cada vez mais instituições de solidariedade social.

Em Setúbal, a autarquia pondera igualmente manter algumas cantinas escolares a funcionar fora dos dias de aulas, antecipa a presidente de Câmara, Maria das Dores Meira. "Muitos meninos chegam ávidos à segunda-feira e querem repetir o prato duas ou três vezes. A contar com isso, algumas cantinas já aumentam a quantidade de comida feita nesse dia", conta.

Também na Trofa, onde quase 50% dos alunos são carenciados, ou em Faro, onde o número de refeições gratuitas servidas nas escolas aumentou 15% este ano letivo, por exemplo, as Câmaras estão a estudar medidas.

Crianças encobrem a pobreza

Mas mesmo quando não há apoios extra do município ou do Ministério da Educação, muitos estabelecimentos de ensino fazem tudo para minimizar as carências alimentares de algumas crianças. Na secundária de Pinhal do Rei, na Marinha Grande, a fruta e o pão que sobram dos almoços são distribuídos aos alunos mais pobres.

Já o Agrupamento de Escolas de Sesimbra até providencia o jantar nos casos mais graves. "A família e as crianças têm, muitas vezes, vergonha de pedir ajuda. Tivemos um caso em que teve de ser a vizinha a vir à escola dizer que uma menina não jantava e quase não tomava o pequeno-almoço. A mãe estava de baixa médica há bastante tempo e o pai ficou desempregado. Além do almoço, passámos a dar-lhe um suplemento de manhã, o lanche e a embalar-lhe jantar para levar para casa", conta a diretora, Ana Paula Neto.

Apesar de graves, muitos casos não são fáceis de detetar. "As crianças aprenderam a encobrir a sua pobreza", explica Sandra Santos, assistente social no Agrupamento de Escolas da Damaia (Amadora), onde 60% dos alunos são carenciados. Por vezes, não confessam o problema aos professores, mas pedem ajuda aos amigos da turma. "Notámos, por exemplo, que havia alunos que não comiam o pão do almoço ou a sandes do lanche, mas que os guardavam. Ficámos atentos e percebemos que iam discretamente ao pátio dar o que não comeram a um colega que lhes tinha pedido para poder levar para casa. De alguns desses casos nem sequer tínhamos consciência", diz.

O Conselho Geral do agrupamento reuniu-se esta semana e decidiu fazer um levantamento de todos os casos de fome. No passado ano letivo, havia 20 alunos sinalizados por carências alimentares. Agora são mais, garante a assistente social. Por isso, professores e funcionários da escola estão a montar de raiz um banco alimentar, levando arroz, massa e outros produtos para poderem distribuir pelos alunos.

Mas a pobreza não se manifesta apenas na alimentação. Dois meses após o começo das aulas, há turmas do 3.º ciclo onde metade dos alunos ainda não tem os manuais. O problema é que muitas famílias de classe média deixaram de conseguir assegurar esta despesa, mas não beneficiam da Ação Social Escolar. O subsídio do Estado é dado com base na declaração de rendimentos do ano anterior, o que faz com que acabem por não estar abrangidos casos de pais que em 2009 tinham uma situação económica mais equilibrada, mas que recentemente perderam o emprego.

Manuais só no Natal

Mas mesmo quando os alunos beneficiam dos apoios e têm os os livros comparticipados, os pais têm primeiro de avançar com dinheiro e só depois ir à escola com a fatura para receberem o cheque com a comparticipação. Acontece que muitos não têm o que avançar. Na papelaria do bairro, mesmo em frente à escola de pavilhões brancos imaculados, muitas encomendas de manuais feitas pelos encarregados de educação em junho continuam por levantar. Há pais que prometem ir buscá-los quando receberem o subsídio de Natal. Outros que, no final de cada mês, vão buscar mais um livro para os filhos estudarem.

Na Madeira, acontece o mesmo. Perante as dificuldades, "muitos professores compram o material escolar do seu próprio bolso e oferecem-no aos alunos", conta Rui Caetano, diretor da básica e secundária Gonçalves Zarco, no Funchal. A fome também já se faz sentir. "A situação é dramática. De manhã os miúdos queixam-se de dores de barriga porque se levantaram às sete e só comem às dez, quando distribuímos uma sandes", revela.

Um pouco por todo o país, o cenário não é muito diferente. Há famílias com muito pouco no bolso e crianças com quase nada no estômago. Com os cortes salariais e outras medidas de austeridade a começar em janeiro, o inverno só virá piorar as coisas. E com ele chega o frio, que também pode ser austero. Muitas escolas, transformadas em instituições de solidariedade, já estão a pensar como resolver mais este problema. "Estamos a fazer recolhas de roupa para dar aos alunos. Há dias em que já aparecem encolhidos de frio, só com uma camisolinha e pouco mais", descreve Luís Dias, diretor do Agrupamento Luís António Verney, em Lisboa.


Ação social escolar

506 mil

alunos são apoiados pelo Estado este ano letivo, mais 18 mil do que em 2009/2010, segundo uma estimativa do Ministério da Educação

€141

é o valor da comparticipação do Estado para a compra de manuais escolares no caso dos alunos mais carenciados do 9º ano. No total, os livros para esse ano de escolaridade custam cerca de 200 euros

6,4 milhões

de euros é quanto o Ministério da Educação deve à Câmara Municipal de Sintra por serviços prestados aos alunos, nomeadamente refeições, enriquecimento curricular e prolongamento de horário


Disseram

"As crianças aprenderam a encobrir a sua pobreza"
Sandra Santos, assistente social na Damaia

"Há um aumento significativo do número de alunos carenciados em todo o país. E não há zonas a escapar à crise"
António José Ganhão, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios

"Lá em casa já não há banhos. Lavo a minha filha com uma toalha molhada para poupar água e gás"
Utente da paróquia de Mira-Sintra, em conversa com um voluntário do Grupo Sociocaritativo

"O cabaz que estamos a dar fica aquém do razoável. Falta o básico. É para um mês, mas basta haver crianças e o leite acaba num dia"
Ana Carrilho, assistente social da Santa Casa da Misericórdia de Sintra


Pobreza

21%

é a taxa de risco de pobreza nas famílias portuguesas com crianças a cargo. Nas famílias com três ou mais filhos, o valor dispara para os 42,8%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (outubro 2010)

Menos abono de família

Com as novas medidas de austeridade, entrou em vigor segunda-feira a redução de 25% do abono de família para os agregados mais carenciados. O valor do apoio mensal dado às crianças com mais de um ano nas famílias com menores rendimentos passou a ser de €35,19. As que têm mais de €629 por mês deixaram de ter direito ao apoio. Alterações atingem 1,4 milhões de beneficiários.

domingo, 7 de novembro de 2010

UMA LENTA AGONIA no DELITO DE OPINIÃO

A simpático convite do Pedro Correia, escrevi como convidado o seguinte artigo na passada quinta no Delito de Opinião:

Uma lenta agonia

É esta a situação vivida por larguíssimos milhares de portugueses que vão “vivendo” a vida dia-a-dia sem quaisquer perspectivas de futuro.

Os empresários sem saberem se no dia seguinte vão conseguir honrar os seus compromissos nas empresas que detêm, os trabalhadores sem saberem se ainda vão ter emprego, se vão ter dinheiro suficiente para pagar a prestação ou a renda da casa, restringindo cada vez mais as suas despesas; muitos sem saberem sequer se vão conseguir ter dinheiro para dar de comer à família.

E milhares e milhares que já chegaram a um ponto de desespero e desânimo total. Mais de 600.000 desempregados, grande parte de cada vez mais longa duração e sem subsídio de desemprego, mais algumas centenas de milhares reformados a receber duas ou três centenas de euros por mês que têm de dar para comer e para os remédios... (um parêntese apenas para frisar que triste país este que trata os seus anciães da forma que vemos).

Continue a ler aqui

sábado, 6 de novembro de 2010

Incompetência

Numa altura em que a crise económica e financeira aperta como nunca no cenário nacional, e encontra no Orçamento de Estado em discussão na Assembleia da República o seu mais fiel espelho, sabe-se que a Comissão Europeia pediu hoje a Portugal a devolução de 40,69M€ recebidos no quadro da Política Agrícola Comum por terem sido indevidamente gastos, nomeadamente aplicados sem qualquer controlo por parte das autoridades nacionais. Aquela quantia é reclamada devido a fragilidades no Sistema de Identificação Parcelar-Sistema de Informação Geográfica (SIP-SIG), bem como deficiências na análise de risco para controlos, insuficiência quantitativa e qualitativa dos controlos in loco e aplicação incorrecta de sanções”, lê-se no comunicado divulgado hoje pela Comissão Europeia. Está também em causa a “inadequação das orientações e deficiências nos controlos administrativos, em relação à despesa das ajudas ‘superfície’, incluindo medidas de desenvolvimento rural relacionadas com ‘superfície’”. Perante uma situação desta dimensão, e no específico momento que o país conhece e atravessa, nenhuma outra palavra para além de «incompetência» ocorre para qualificar e classificar a situação. Num país sério e a sério uma incompetência desta natureza nunca ficaria impune – pelo menos no plano da responsabilização política. Com uma Assembleia da República a funcionar a sério, já teriam sido usados alguns dos institutos regimentais à disposição dos senhores deputados para averiguar as responsabilidades políticas em causa. Felizmente para os governantes que temos, os deputados de que dispomos estão bem para quem nos governa. Para infelicidade nossa e do país, estão bem uns para os outros.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O bloguista Cavaco e Silva

"A actuação do Presidente da República não pode contribuir para o espectáculo público de cinismo ou de agressividade, vejo com muita apreensão o desprestígio da classe política e a impaciência com que os cidadãos assistem a alguns debates."
Não, esta frase não é de um qualquer bloguista com adrenalina a mais ou continência verbal a menos, mas do candidato Cavaco Silva, estando publicado nas redes sociais da sua campanha, como sendo da sua autoria.
Não sei se viremos a ter uma comunicação ao País a dizer que quem pode falar em seu nome é apenas o chefe da casa civil e o da casa militar, mas o certo é que esta frase é , ela sim, cínica, agressiva, desprestigiante de quem a faz e que me confirma a ideia de que já não há paciência para o senhor.

EU APOIO JOSÉ MANUEL COELHO


Não posso deixar de dar o meu apoio a José Manuel Coelho como candidato à Presidência da República porque:

Faz parte do restrito grupo de madeirenses que afronta o poder absoluto de Alberto João Jardim, não tendo medo das perseguições que são feitas na Madeira a quem tal ousa;

Não tem apego a cargos, exercendo-os apenas para defender os legítimos interesses do povo, custe a quem custar;

É um candidato anti-sistema e Portugal necessita de se livrar urgentemente daqueles que assolam a vida política portuguesa ininterruptamente há 20 ou 30 anos;

A sua prioridade são as pessoas e o seu bem-estar;

Candidata-se contra a corrupção e o amiguismo, males que têm vindo a crescer assustadoramente em Portugal;

É um Homem de convicções - de certeza que não promulgaria uma lei com que não concorde mesmo que ache que ela voltará a ser aprovada;

É um inconformista que vai contra o discurso de derrota que muitos proferem;

Por fim, com ele, a SERIEDADE NA POLÍTICA é possível.

Por estas e muitas outras razões que seria fastidioso estar a enumerar, não posso deixar de apoiar a sua candidatura!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

DESPESAS INCOMPRESSÍVEIS?

Devia ser a estas despesas que se referia hoje o primeiro-ministro que temos a infelicidade de estar a (des)governar o país:

A empresa First Five Consulting (F5C), uma das maiores prestadoras de serviços na área da assessoria mediática e de organização de eventos para o Governo, está em nome do advogado que defende o chefe de gabinete de José Sócrates no caso contra o deputado de socialista Vítor Baptista. Este acusa André Figueiredo de tráfico de influências, ao tentar aliciá-lo com a promessa de um cargo numa empresa pública, em troca da sua não-recandidatura à federação de Coimbra, e vai ser processado.

Com a devida vénia ao Público

O nome do advogado, Jorge Manuel Abreu Rodrigues, aparece na base de dados do Ministério da Justiça como sendo o administrador único da F5C - que é uma sociedade anónima -, e nos relatórios de negócios é apresentado como detentor de 100 por cento do capital. Contactado pelo PÚBLICO, recusou falar no assunto. Porém, João Tocha, o director-geral da F5C, disse ao PÚBLICO que é também accionista, com metade do capital. Mas a empresa, afinal, é mais do que uma agência de comunicação: além da "prestação de serviços de consultoria, estudos, projectos e management em todas as áreas da vida económica, marketing, comunicação e publicidade", tem também como objecto social a "compra e venda de imóveis para revenda".

De acordo com o portal dos contratos públicos, a F5C facturou, desde final de 2008, perto de 1,2 milhões de euros em eventos e assessoria a entidades públicas como o IAPMEI, ministérios da Educação, Saúde, Agricultura e Justiça, a Estradas de Portugal, os governos regionais dos Açores e da Madeira, Parque Expo, Governo Civil de Lisboa e municípios de Campo Maior, Rio Maior e Oliveira de Azeméis.

Fundada em 2007, a F5C integrou entre os accionistas elementos próximos do gabinete de Sócrates e teve uma ascensão meteórica na facturação - 2,5 milhões de euros em 2009. Apontado como bastante próximo das cúpulas socialistas, João Tocha prefere dizer que trabalha e aconselha políticos e partidos independentemente da cor. E sobre o facto de a empresa ter tanta exposição na comunicação social por aparecer ligada à organização de eventos públicos diz que é a "demonstração da falta de habilidade" de quem o quer "prejudicar e só consegue dar maior visibilidade a custo zero" à F5C - uma referência à agressividade que domina o mercado da comunicação política.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A tragédia dos números

Apesar do meu objectivo afastamento da actividade política, provocado e motivado por razões actuais de natureza profissional, não deixo de modestamente chamar a atenção para todos os brilhantes e iluminados entendidos da "coisa pública", sobre dois dados concretos (dados divulgados na comunicação social e até agora não desmentidos):

1. São 4 milhões e 200 mil os portugueses que pagam impostos;

2. 96% de toda a receita fiscal do Estado, a que se devem somar os descontos para a segurança social, são gastos em salários da Administração Pública e Prestações Sociais (reformas, pensões; subsidios de desemprego, subsidios de reinserção social);


Perante isto pergunto: sobra tempo ou disposição para o que vamos continuando a ouvir?