quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A propósito da República da Irlanda

Confirmando o que já se sabia e havia sido tantas vezes negado, a República da Irlanda viu-se na necessidade de recorrer ao auxílio financeiro de emergência externo, a cargo do fundo de emergência europeu, do FMI e de Estados de fora da própria zona euro, como o Reino Unido e a Suécia, num valor ainda a determinar mas que já se sabe que andará pelos 80 a 90 MM€. Sabe-se, também, que dentro dos critérios acordados, e tomando como referência a participação de cada Estado no capital do BCE, Portugal contribuirá para esse fundo com cerca de 2MM€. Os Ministros do ECOFIN, via teleconferência, acabaram por dar «luz verde» ao auxílio, na expectativa, uma vez mais, de assim travarem os ataques contra uma economia da zona euro, demonstrando à especulação financeira internacional que, em momentos de crise, a Europa da União não pode ignorar o sentido da palavra solidariedade. Convirá recordar que, em Maio passado, aquando da crise grega, o argumento utilizado foi exactamente o mesmo. Os resultados, esses, foram o que se estão a ver…. Teoricamente, uma tal injecção de capital, ao longo de três anos, será suficiente para acalmar os mercados internacionais. Ademais, a República da Irlanda não tem as necessidades de financiamento externo que, Portugal, por exemplo, enfrenta e que, só para o próximo ano, se aproximam dos 44MM€. O problema é que esses mesmos mercados financeiros não conhecem nem se guiam pelas regras da racionalidade – mas apenas e só pelas regras do lucro. E nada nos garante que, depois da República da Irlanda, não se virem para as outras economias mais frágeis e débeis da zona euro. É, assim, manifestamente precipitada a convicção do Ministro Teixeira dos Santos, de que com este apoio de emergência, Portugal ficará respaldado ou a salvo, numa posição mais confortável. A visão mais pessimista da realidade diz-nos, até, justamente o contrário! Salva a República da Irlanda, o apetite voraz da especulação pode dirigir-se para a próxima vítima. Será sempre assim até ao momento em que perceberem ou intuírem que a solidariedade europeia falará sempre mais alto e acorrerá sempre em defesa dos seus – quaisquer que eles sejam. E nos dias que correm, infelizmente, essa garantia não poderá ser dada por adquirida. Como de pouco serve o reiterado esclarecimento de que a situação portuguesa é diferente da situação irlandesa, não havendo semelhanças que justifiquem os receios de um qualquer efeito de contágio. Não se percebeu, ainda, é qual a razão-de-ser de tanta insistência na afirmação da nossa diferença face à da República da Irlanda. Se a diferença fosse tão grande como alguns querem fazer crer, talvez se dispensasse tanta reiteração dessa mesma diferença…. Que os problemas da República da Irlanda são diferentes dos nossos, nós já sabemos; que não temos problemas na banca como os irlandeses, também já sabemos. O que não está dito ou escrito em lado algum é que os nossos problemas sejam menores que os da República da Irlanda. Ser diferente não significa ser menos grave. Porque com uma economia muito mais frágil, uma dívida externa (pública e privada) muito superior e um crescimento muito mais débil, não temos a mesma capacidade dos irlandeses para sermos competitivos e gerarmos emprego. Será que isto é assim tão difícil de entender?
Deste recurso irlandês ao auxílio exterior saibamos, ao menos, aprender uma lição que nos vem de Dublin – há países, povos e Estados que, mesmo na adversidade, sabem ser coerentes – para não dizer decentes. Na República da Irlanda, consumada a necessidade de recorrer ao auxílio financeiro externo, de imediato se concluiu que tinham de ser marcadas eleições legislativas para escolher um novo Parlamento donde emergisse um governo que gerisse esse mesmo auxílio exterior. Ou seja, concluiu-se o óbvio: os responsáveis pela crise e pelo estado a que o Estado chegou não tinham nem podiam ter condições para liderar a recuperação e gerir os fundos que chegarão do exterior. É uma questão que parece óbvia; uma questão de bom-senso, uma questão de decência política. Noutras latitudes, quem faz o mal faz a caramunha. Vitimiza-se, queixa-se, acusa o mundo por ter mudado, deixa que a culpa morra solteira. Também aqui é duma questão de decência política que se trata. Ou da falta dela.

3 comentários:

  1. Um exemplo da falta de decência é a alteração ao OE que prevê o regime de excepção de corte nos vencimentos para as empresas de capital público!

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  2. Porque haveria eu de ter pena de irlandeses gregos espanhóis italianos e portugueses e não de mauritanos ou guatemaltecos? Porque estes últimos nunca conheceram outra coisa que não fosse a miséria? Então que tal o primeiro mundo experimentar agora a dose, já esquecida mas que aceitam sem estados de alma para o resto do mundo, de ser composto por multidões de pobres? Mas como na Mauritânia e na Guatemala mesmo, com sacos de plástico a fazer de sapatos.

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  3. Porque quem tem pena do mundo inteiro não tem pena de ninguém...

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