segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A falácia orçamental - artigo de Miguel Félix António hoje no Público

O enredo que foi montado à volta da imprescindibilidade de ser aprovado o Orçamento de Estado para 2011, desviou-nos do essencial, daquilo que se devia estar a discutir, a reflectir e a propor.

É assim quando se dá mais relevância aos assuntos urgentes do que aos que são realmente importantes. Urgência não significa importância e, muitas vezes, infelizmente, confundem-se os planos.

O Orçamento não é o ponto de partida, um orçamento é uma consequência das opções que se têm para a configuração de uma sociedade.

A discussão que os partidos políticos deviam suscitar é a de que Estado defendem, que modelo de organização propugnam, que formato, em consequência, o Estado deve ter e, para esse arquétipo, quais as despesas que há que suportar, definindo as respectivas receitas.

E aí, só depois de tudo isto definido, chegamos ao Orçamento.

Começar pelo fim, não é um bom princípio, como se está a ver.

Que Estado quer Portugal para os próximos anos, independentemente dos limites ao défice orçamental imposto pelas regras da União Europeia?

Queremos ter Forças Armadas, ou entendemos que elas são dispensáveis, porque já muito pouca soberania nos resta e os custos com um sistema mínimo de defesa são luxo de países ricos? A discussão dos submarinos é, pois, uma consequência…

Que sistema de Segurança Interna queremos ter? E de Justiça? Consideramos que a Segurança e a Justiça são pilares de uma comunidade politicamente organizada e que, portanto, há que lhes alocar uma parcela significativa de recursos, ou julgamos que é preferível diminuir os encargos, porque esses são problemas resolvidos e Portugal é um país de brandos costumes?

No que respeita à política externa, qual a rede de embaixadas e consulados que devemos dispor? Em todos os países, ou apenas com os quais há um real interesse em promover relacionamento, reduzindo drasticamente os actuais serviços externos?

Relativamente às infra-estruturas portuárias e rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias, qual o desenho que estimamos adequado para o nosso país? É imprescindível, por exemplo, ligar todas as capitais de distrito por auto-estrada, ou será mais apropriado melhorar as estradas já existentes?
Que sistema de saúde? Um Serviço público tendencialmente gratuito ou, pelo contrário, um sistema assente em seguros individuais, a cargos dos próprios, e suportados pelo Estado apenas em caso de manifesta insuficiência económica dos cidadãos?

No que concerne à educação, adoptar também o princípio do utilizador pagador, com a excepção dos manifestamente carentes, ou providenciar gratuitamente de forma indiscriminada e sem ter em conta os rendimentos dos agregados familiares a frequência do ensino básico, secundário e superior?

Regionalizar o país, ou assentar a descentralização na tradição municipalista, reorganizando o sistema autárquico e adequando-o às reais necessidades, diminuindo fortemente o número de municípios e de freguesias, e os correspondentes autarcas?

E que funções queremos que as autarquias detenham? As actuais; novas e mais abrangentes; ou, por outro lado, mais confinadas ao que é verdadeiramente o essencial, dispensando, por exemplo, as Assembleia de Freguesia, que na maior parte dos casos, se comportam como mini Parlamentos Nacionais, demonstrando assim a sua total inutilidade?

Que Portugal queremos? Um país marcado pela mentalidade assistencialista, em que o Estado tudo pode e tudo resolve, sem que para tal tenha recursos? Ou, pelo contrário, uma Nação em que os cidadãos são os primeiros responsáveis pelo seu destino, premiados e estimulados pelo mérito, em função do seu esforço, trabalho e empenho e em que o Estado deve exercer exclusivamente uma função supletiva?

Daí a extrema importância na apresentação de propostas claras e inconfundíveis por parte dos partidos, para que os eleitores não entendam, nalgumas vezes com muita razão, de que tanto faz estar uns como outros…


Miguel Félix António
Jurista/Gestor

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