Em pleno dia de Conselho Europeu, ocorre fazer um pequeno exercício de memória e constatar o quão longe e distantes vão - e suscitam saudades! - os tempos em que o eixo franco-alemão funcionava como o verdadeiro motor primeiro das Comunidades Europeias e depois da União Europeia. Ficaram célebres as duplas Helmut Schmidt – Valéry Giscard d’Estaing nos anos setenta e, sobretudo, Helmut Kohl – François Mitterrand na década de noventa; menos influente, sinal do decréscimo de importância e influência do relacionamento Paris – Bona (ou Berlim) no projecto europeu, foi o relacionamento Chirac – Schröeder no dealbar deste século. Eram, em todo o caso, tempos em que, honrando o legado dos pais fundadores e não esquecendo que o projecto comunitário nasceu em primeiro lugar para superar as desavenças entre a França e a Alemanha, ambos os países assumiam a função de impulsionadores e dinamizadores do projecto comum europeu, catalizando vontades e favorecendo consensos – quando estes se afiguravam difíceis de alcançar. Só assim, à luz dessa relação privilegiada, por exemplo, François Mitterrand aceitou o projecto de reunificação alemã, pese embora todas as dúvidas e reservas que, intimamente, o projecto lhe suscitava, Mas esses tempos, que eram os tempos em que o interesse europeu se sobrepunha aos interesses nacionais, vão longe e distantes. Hoje, Merkel e Sarkoz assumem-se como os rostos dos projectos fracturantes e divisores que surgem na UE. No Conselho Europeu de hoje, a insistência na revisão do Tratado de Lisboa, contra a opinião expressa da generalidade dos Estados da União mas, sobretudo, contra o interesse geral da UE, é a mais recente evidência da postura franco-alemã, numa lógica pura de reforço da dimensão nacional em detrimento da dimensão europeia das respectivas políticas externas. Abrir a discussão sobre a reforma dos Tratados, em nome da criação dum fundo permanente de defesa do euro, é abrir a caixa de Pandora donde não se sabe que mais poderá sair. E continuará a significar trilhar o caminho do distanciamento entre a União e os cidadãos europeus, enredando-a em discussões intermináveis sobre aspectos jurídico-institucionais, em lugar de a centrar no aprofundamento de políticas que auxiliem a ultrapassar a crise que a Europa vive. Por este caminho, a UE acabará por se tornar dispensável aos olhos dos cidadãos europeus. Por uma vez reservo-me ao direito de concordar com Mário Soares, talvez a voz que em Portugal mais tem denunciado a falta de estadistas de excepção nos países da União. Essa é a verdadeira e última essência da crise por que passa a Europa da União.
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