Sócrates anunciou ontem ao País o que o País sabia que podia ter de ouvir, mas que desejava não ter ouvido. E Sócrates, num primeiro momento, ganhou vantagem no plano mais imediato do combate político-partidário.
Vejamos as razões:
1. Quando todos anunciavam a necessidade de cortes nas despesas, mas evitavam direccioná-las para o lado dos ordenados da função pública, Sócrates não hesitou e "mexeu" onde todos hesitam "mexer". Fez, ou propõe-se fazer, aquilo que a direita nunca fez e nunca ousou fazer. (Aliás, quando a serenidade e a independência total existirem, alguém fará as contas do pós 25 de Abril e dirá quem mais aumentou a função pública. Por certo Jorge Coelho não ficará sozinho na galeria dos que mais contribuíram para engordar o aparelho do Estado.) Por agora Sócrates fica "bem" na fotografia. Sossega os ditos mercados internacionais e coloca a direita parlamentar num dilema: ou apresenta uma proposta alternativa que evite tocar nos salários dos funcionários públicos ou fica inevitavelmente amarrada, pelo voto (ainda que com a abstenção), às propostas do governo socialista;
2.Sócrates anunciou ainda a suspensão dos investimentos públicos, medida tão reivindicada nos últimos tempos pela mesma direita parlamentar, pelo que aparentemente esta fica sem grande margem de manobra para dizer não, restando-lhe o inevitável discurso do chegámos aqui pela incompetência do governo..., tudo isto já podia ter sido feito..., vamos ver em pormenor a concretização das medidas...
Tudo curto, muito curto, diante a questão de fundo, num jogo onde não há terceira saída e no qual só há dois caminhos: ou se viabiliza o orçamento ou se diz não.
3. Na contabilidade da política que é distante dos cidadãos, Sócrates jogou alto. Poderia não ter outra saída, mas o certo é que empurra todos para o caminho que indica e reganha uma posição que aparentemente parecia ter perdido. Se já tinha Cavaco a torcer pela viabilização do OE, mais do que nunca tê-lo-á a seu lado, numa marcha de vias diferentes e de interesses mais comuns do que à primeira vista pode parecer.
4. E Sócrates, por último, colocou do lado da direita parlamentar todo o ónus da aprovação do OE. Se já estava distante do PC e do Bloco, ontem mais deles se distanciou. É um governo de esquerda, com atitudes que supostamente caberiam à direita e esta se já não estava numa posição fácil a partir de agora poderá ter ficado numa situação ainda mais dificil.
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