terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Idealismo de um Realista

Escreveu David Hume "...que as regras de justiça e as regras da ordem jurídica são o resultado de processos históricos, de tradições e experiências,e devemos hesitar em introduzir mudanças drásticas simplesmente porque, ao fazê-lo, criamos algum argumento lógico atraente (com base na "igualdade", por exemplo). Precisamos compreender os tipos de conhecimento envolvidos nos argumentos racionais, assim como os limites de tais argumentos. Inversamente, se procurarmos conhecer o fundamento real do mundo, poderemos reunir factos empíricos e utilizá-los como guias do nosso processo de construção social."

Eu revejo-me em muito deste realismo da tradição e da experiência vivida e assim me afasto de um certo realismo da chamada razão, erradamente classificado de pilar identificador do pensamento conservador. O verdadeiro conservadorismo não desconhece a realidade vivida e sabe que a construção humana passada é, deve ser, ponto fundamental quer na análise do que fomos, quer na vontade do que desejamos vir a ser.

Vem isto a propósito da Europa, da União Europeia e do excelente texto aqui publicado pelo JPD.

Comecemos por este: eu não nego ao JPD o seu realismo analítico, na constatação do que é a UE e o seu idealismo quanto ao que ela, na sua opinião, deveria ser. O JPD é um "realista" na apresentação objectiva de uma UE errática, forte com os fracos, temerosa diante os poderosos e perdida num armário de modelos políticos que têm tudo e o seu contrário.Aliás o realismo do JPD é nesta matéria tão grande, quanto a sua angústia por verificar que o seu idealismo europeísta se aproxima em larga medida de uma visão utópica (surpreendeu-me até que não tivesse citado Victor Hugo e, da sua vasta e sem dúvida importante obra, os trechos dedicados à sua visão da sociedade e da própria Europa).

E nesta questão reside a diferença: enquanto eu sou um idealista de um assumido realismo, o JPD é um contestatário de uma realidade que atrasa e dificulta a busca do seu idealismo. Entendemo-nos no desentendimento sobre esta matéria e por isso mesmo o debate iniciado é salutar.

Já quanto à Europa e à UE a "coisa", como bem sublinha o JPD é diferente. E porquê? Porque a Europa que ambiciona (com inteira legitimidade), simplesmente não existe (e nunca existirá de forma pacífica e democrática - vale a pena reler Hume).A Europa é um princípio de muitas diferenças e nisso reside a sua alma, a sua grandeza, a sua distinção. À falta de argumentos (não é o caso do JPD) há quem diga que essa Europa das diferenças é a Europa dos Estados-soberanos, os tais que são exíguos, inconsequentes, impreparados para fazer face à nova aurora que raia, mas esquecem-se que essa Europa antes de ser dos ditos Estados-soberanos era a Europa de Povos ora dominados pela força ora revoltados em busca da sua liberdade e independência.

E não há UE que possa substituir essa Europa de Povos, muitos dos quais ainda hoje subjugados pelo poder opressor dentro de Estados consagrados à luz do direito comunitário e membros activos da dita União. Essa é a tradição da Europa, essa é a experiência vivida, essa é a realidade, que nenhuma norma jurídica, nem nenhum construtivismo racionalista dominará, substituirá ou poderá ignorar.

E é em face da realidade que devemos partir para a comunhão. O mais é Thomas Morus e a sua ilha cantada e contada por um navegador português....

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